Depois de ler como Paul Brand descreve o olfato e como chama
o nariz de “um órgão de nostalgia”, no livro “À Imagem e Semelhança de Deus”
fiquei pensando sobre o poder do olfato nas nossas lembranças.
O que seria o cheiro da minha infância? Quase
imediatamente me vi correndo pela rua
empoeirada, num dia de verão, em brincadeiras tão remotas que nossos filhos
nunca conheceram, para de repente ser assaltada por pingos grossos e teimosos
de chuva de verão e o cheiro indescritível de terra molhada. A corrida
desenfreada para dentro de casa ouvindo o barulho pesado da chuva já nas telhas, e
através da janela olhar como a terra seca ia absorvendo a água, respirando
fundo para sentir o cheiro da terra molhada. Invariavelmente minha mãe sempre
dizia: “este cheiro faz mal, você vai ficar gripada...” Eu respirava fundo sem
que ela percebesse, e olha só, nunca fiquei gripada por isso. Não gosto de
dizer isto, mas as mães nem sempre tem razão... Ainda hoje quando consigo
sentir este cheiro, me transporto para dias remotos, e despretensiosos do
passado em que o tempo parecia estar parado.
Lembro do cheiro de pão caseiro assando lentamente, inundando a nossa casa, e de três crianças ( na época éramos três filhos) a espera do
momento em que aquele cheiro pudesse fazer parte do nosso paladar. Sentávamos à
mesa sob os protestos de minha mãe, que nunca desistia de pedir: “espere
esfriar o pão!” Prá que?? Se o melhor era cortarmos grossas fatias e
besuntarmos com toneladas de manteiga e quase sem conseguir segurar o pão,
devorarmos. Num momento comíamos um pão inteiro, daqueles bem grandes e
gorduchos. O cheiro tinha nos seduzido!
Lembro de domingos ensolarados, ou não, que acordávamos com
o cheiro adocicado do caramelo. Era dia de sobremesa e quase sempre era um
pudim, ou de leite, ou de claras, assados dentro de uma panela de pressão. Acho que ninguém fazia assim, era só a
minha mãe!! O cheiro do caramelo de cor escura me faz até hoje ter vontade de
abocanhar as fatias generosas de pudim que comíamos depois do almoço. No final
da tarde já estávamos a espera do próximo domingo...
Quantas lembranças podemos ter!! Realmente Paul Brand tem
razão em afirmar que o nariz é um órgão de nostalgia...
Quando pisei pela primeira vez numa praia , uns cinquenta
anos atrás não consigo me lembrar da sensação da areia nos meus pés, mas me
lembro do cheiro do mar, inconfundível. E ainda hoje quando chego numa praia
preciso respirar demoradamente e sentir o mesma emoção de olhar o mar pela
primeira vez.
Lembro da primeira vez que me deixei abraçar e do cheiro que
senti da pele do meu namorado. Quase trinta anos depois, quando me enrosco no
pescoço, agora do meu marido ainda sinto o mesmo cheiro da pele daquele dia.
Como é bom!!
Hoje o cheiro de chocolate lembra meu
filho mais velho...
Bolinho de chuva fritando?? É o meu filho
mais novo, cheio de expectativa esperando a travessa cheia dos dourados e açucarados bolinhos.
Saudades do tempo que sempre tinha cheiro de bolo de chocolate assando e bolinho de chuva...
Aromas deliciosos... mas se tivesse que eleger um único cheiro, seria o de café. Café forte, café fresco, café quente, sempre café!
Café com conversa, café com pressa, café com chocolate.
Café pra acordar, comemorar, ou só pra tomar mesmo. Aroma único, inconfundível...
Vai passeando livremente através da gerações... café da avó no bule, sobre o fogão a lenha ou o café gourmet do filho... não importa a roupa que usa, o cheiro é sempre o mesmo.
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