quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A Sutileza dos Odores




Depois de ler como Paul Brand descreve o olfato e como chama o nariz de “um órgão de nostalgia”, no livro “À Imagem e Semelhança de Deus” fiquei pensando  sobre o poder do olfato nas nossas lembranças.

O que seria o cheiro da minha infância? Quase imediatamente  me vi correndo pela rua empoeirada, num dia de verão, em brincadeiras tão remotas que nossos filhos nunca conheceram, para de repente ser assaltada por pingos grossos e teimosos de chuva de verão e o cheiro indescritível de terra molhada. A corrida desenfreada para dentro de casa ouvindo o barulho pesado da chuva já nas telhas, e através da janela olhar como a terra seca ia absorvendo a água,  respirando fundo para sentir o cheiro da terra molhada. Invariavelmente minha mãe sempre dizia: “este cheiro faz mal, você vai ficar gripada...” Eu respirava fundo sem que ela percebesse, e olha só, nunca fiquei gripada por isso. Não gosto de dizer isto, mas as mães nem sempre tem razão... Ainda hoje quando consigo sentir este cheiro, me transporto para dias remotos, e despretensiosos do passado em que o tempo parecia estar parado.

Lembro do cheiro de pão caseiro assando lentamente, inundando a nossa casa, e de três crianças ( na época éramos três filhos) a espera do momento em que aquele cheiro pudesse fazer parte do nosso paladar. Sentávamos à mesa sob os protestos de minha mãe, que nunca desistia de pedir: “espere esfriar o pão!” Prá que?? Se o melhor era cortarmos grossas fatias e besuntarmos com toneladas de manteiga e quase sem conseguir segurar o pão, devorarmos. Num momento comíamos um pão inteiro, daqueles bem grandes e gorduchos. O cheiro tinha nos seduzido!

Lembro de domingos ensolarados, ou não, que acordávamos com o cheiro adocicado do caramelo. Era dia de sobremesa e quase sempre era um pudim, ou de leite, ou de claras, assados  dentro de uma panela de pressão. Acho que ninguém fazia assim, era só a minha mãe!! O cheiro do caramelo de cor escura me faz até hoje ter vontade de abocanhar as fatias generosas de pudim que comíamos depois do almoço. No final da tarde já estávamos a espera do próximo domingo...

Quantas lembranças podemos ter!! Realmente Paul Brand tem razão em afirmar que o nariz é um órgão de nostalgia...
Quando pisei pela primeira vez numa praia , uns cinquenta anos atrás não consigo me lembrar da sensação da areia nos meus pés, mas me lembro do cheiro do mar, inconfundível. E ainda hoje quando chego numa praia preciso respirar demoradamente e sentir o mesma emoção de olhar o mar pela primeira vez.

Lembro da primeira vez que me deixei abraçar e do cheiro que senti da pele do meu namorado. Quase trinta anos depois, quando me enrosco no pescoço, agora do meu marido ainda sinto o mesmo cheiro da pele daquele dia. Como é bom!!

 Hoje o cheiro de chocolate lembra meu filho mais velho...
 Bolinho de chuva fritando?? É o meu filho mais novo, cheio de expectativa esperando a travessa cheia dos dourados e açucarados bolinhos.
Saudades do tempo que sempre tinha cheiro de bolo de chocolate assando e bolinho de chuva...

Aromas deliciosos... mas se tivesse que eleger um único cheiro, seria o de café. Café forte, café fresco, café quente, sempre café!
Café com conversa, café com pressa, café com chocolate. 
Café pra acordar, comemorar, ou só pra tomar mesmo. Aroma único, inconfundível...
Vai passeando livremente através da gerações... café da avó no bule, sobre o fogão a lenha ou o café gourmet do filho... não importa a roupa que usa, o cheiro é sempre o mesmo.



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“Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, Depende de quando e como você me vê passar.” (Clarice Lispector) Tenho algumas paixões, como livros, filmes, viagens e... tecidinhos. Tenho alguns amores... meu marido e meus filhos. Tenho um único Deus, e sirvo somente a Jesus Cristo. Flor de Baunilha é o meu particular mundo do Patchwork e afins. Alecrim com Canela, meu mundo de especiarias e aromas. 56 Fragmentos, minhas viagens, um pouco de tudo e muito de nada.